1 maio, 2015

O cliente tem mesmo sempre razão

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por Máucio

Almoçava com dois casais que possuíam algo em comum, um deles administrava um bar, o outro um restaurante, ou seja, viviam profissionalmente, experiências semelhantes. Daí para chegar a assuntos sobre cardápios, fornecedores, cozinheiros, garçons, clientes, era um tapa.
Todo esse rosário foi sendo percorrido, até chegarmos ao atendimento e às dificuldades que se enfrenta para agradar a clientela. A conversa enriqueceu-se. Foi aí que Eduardo, dono do restaurante, contou uma história que passo a compartilhar com vocês.
Acho que era sexta-feira. Lembro de uma noite fria e com um leve chuvisqueiro. Junho ou julho, por aí. Apesar do clima o restaurante estava muito movimentado, porque era início de mês e haviam muitas festas naquela ocasião. Nas noites assim também se intensifica o serviço de tele entregas.
Foi numa dessas que um cliente ligou e pediu sugestões de prato para envio.
– Alô, boa noite.
– Eu queria uma tele. Poderia me dar umas dicas aí?
– Pois não. O senhor prefere massas, filés, peixe…?
– Filé.
– Bem, temos: filé a Parmediana, Califórnia. Filé com ervilhas, Filé da casa…
– Filé com ervilhas como é?
– É filé com molho de ervilhas e tomates, acompanhado de arroz.
– Esse aí então. Filé com ervilhas, só que sem arroz.
– Algo mais?
– Não, é isso.
E ai continuou o diálogo para anotar o endereço, passar o valor do prato, taxa de entrega, etc.
Eduardo recoloca o fone no gancho e segue atendendo no caixa, voltando à rotina típica daquelas horas. Mais uma tele aqui, outro fechamento de conta lá e dê-lhe correria.
Cerca de uns 45 minutos depois, o restaurante no mesmo pique de movimentação, liga o indivíduo que pedira o filé com ervilha. Eduardo atende e na outra ponta da linha o sujeito fala:
– Seguinte, eu pedi um Filé com ervilhas há pouco aí.
– Sim, pois não. O pedido não chegou ainda?
– Chegou sim, só que tem um problema.
– Sim, pois não!
– O filé veio com arroz.
– …
– E eu pedi sem arroz.
– Oh, me desculpe senhor. É que nesse filé acompanha o arroz.
– Sim, mas eu pedi sem arroz.
– Desculpe, foi um erro. O arroz está numa embalagem separada. Colocaram automaticamente… Desconsidere. O preço é o mesmo. Deixe o arroz de lado.
– O senhor não está entendendo, eu pedi sem arroz e veio com arroz.
– Sim, eu entendi, senhor. Peço desculpas. Deixe o arroz e coma o filé com ervilhas.
– Vou repetir: eu não quero esse arroz.
Eduardo, já com certa vertigem, intui que o caso mereceria cuidado e, para minimizar, tasca:
– Faça o seguinte então, dê o arroz para alguém. Dê pro cachorro, pronto.
– Eu não tenhoo cachorroo!
Eduardo respirou fundo, pensou um segundo e sentindo-se quase sem saída, deu mais uma tacada em busca de uma solução.
– Tá bem, o que o senhor quer que eu faça? Se quiser, devolva a mercadoria e eu lhe devolvo o dinheiro.
E o maluco bateu o telefone abruptamente, sem dizer nada.
A essas alturas Eduardo estava suando no rosto com um olhar de espanto. Eugenia, sua esposa, que trabalhava ao se lado tratou de acalmá-lo, considerando que aquilo era mais um episódio de atendimento dentro da normalidade. Serviu-lhe um guaraná e mudou de assunto.
– Eduardo, tem um carro com problemas no estacionamento, tem que avisar o dono…
A situação logo pareceu voltar ao normal, mas, no entanto, cerca de trinta minutos mais tarde adentra ao restaurante um homem de estatura mediana, com casaco de
couro pardo e uma sacolinha de supermercado na mão. Chega ao balcão e fala:
– Eu vim devolver uma tele que me enviaram errada!
Eduardo, Eugênia, e todos os garçons que estavam próximos, se olharam paralisados… Um silêncio preencheu o ambiente. Até que Eduardo, de súbito reage.
– Pois não, o senhor que pediu Filé com ervilhas?
– Sim, quero devolver.
Eduardo agarra a sacola da mão do cliente, sorri e despacha.
– Aqui está seu cheque, senhor.
O cidadão, sem falar nada, pega o cheque e vira as costas rumo a porta de saída.
Um dos garçons que estava mais afastado do epicentro ficou observando pela janela e jura, até hoje, que o elemento deu uma ligeira risadinha ao entrar no táxi que o aguardava em frente ao estabelecimento.